terça-feira, 12 de maio de 2009

Do sonho aos ares

Transitando na contramão da proposta, elejo como vetor para minhas considerações a negação do lugar comum. Pensar o desenvolvimento tecnológico apenas pelo viés das benesses é algo temerário.
Lembro-me de um filme do início da década de 1980, cujo nome é “Os Deuses Devem Estar Loucos”. Nesta obra a trama gravita em torno das venturas e desventuras causadas por uma pequena garrafa de coca-cola lançada de um avião sobre uma tribo isolada em meio ao deserto do Kalahari, na África. Acreditando ser um presente dos Deuses, os bosquímanos (nome da tribo) lançam-se ao uso indiscriminado desse “presente divino”, um objeto que, embora estranho, apresenta uma série de utilidades. Dispensável até então, a garrafa de coca-cola logo se constituí como objeto de disputas e desavenças.
A simples garrafa, metáfora das inovações tecnológicas contemporâneas, é cara na medida em que me permite representar o fascínio exercido pelo computador. Desconhecido para maioria das pessoas até bem pouco tempo atrás, esta máquina veio a se constituir como um critério de adesão (ou exclusão) não só à sociedade da informação. Não saber “lidar com o computador” significa estar desconectado do mundo.
Não quero negar o dado. Como nos lembra o poeta Pablo Milañes: “A história é um carro alegre, cheio de gente contente, que atropela indiferente todo aquele que a negue”. O que me motiva a reflexão é a expectativa de não se tomar o desenvolvimento tecnológico ou, mais especificamente, a difusão da informática, como um fim em si. As inovações suscitadas neste meio devem ser motivo de “um deixar-se seduzir” apenas na medida em que de fato venham a contribuir para um aprimoramento do processo de ensino-aprendizagem. A nós, professores, pelo menos em tese, cabe certa dose de ceticismo e criticidade em relação à disseminação indiscriminada deste aparato tecnológico. Não me refiro à utilização do computador em si, mas sim às implicações e à relevância deste procedimento em nossas práticas pedagógicas. Neste sentido, algumas indagações são possíveis: uso o computador porque ele me é necessário, porque ele me é imposto, ou porque os outros usam?
Não há dúvidas de que a difusão da informática trás consigo muitas benesses. Não consigo imaginar minha vida profissional (talvez também a pessoal) sem as facilidades oferecidas, por exemplo, pelas novas tecnologias de mídia. Por outro lado, até o presente, não me é clara a detecção de melhorias significativas nas relações entre as pessoas. Muito pelo contrário. A ausência de reflexão sobre os desdobramentos da utilização deste tipo de ferramenta não raro tem resultado num distanciamento cada vez maior entre as pessoas. Um exemplo: alunos que moram a 50 metros uns dos outros preferem comunicar-se via MSN e Orkut do que pessoalmente. O toque, o cheiro, o olhar se esvaem a cada tecla acionada.
Reza a lenda que Santos Dumont teria cometido suicídio quando viu a maior de suas invenções, o avião, ser usado com fins bélicos. A hipotética causa mortis do nosso inventor maior não poderia ser interpretada como um aviso em relação às possíveis consequências do uso indiscriminado, despropositado e não ponderado das tecnologias da informática? No limite, um exercício de reflexão não deixa de transparecer traços de similaridade entre essas situações distintas.

2 comentários:

  1. Parabéns pelas palavras profundas e complicadas!

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  2. Enquanto educadores, precisamos sempre ter um olhar muito crítico e coerente diante do que o mundo oferece,principalmente em se tratando da informática. Não podemos nos deixar levar por modismos, precisamos sim, fazer uma análise do que nos é oferecido, para então, vermos qual a sua aplicabilidade no processo de ensino e aprendizagem.Logo cabe a cada um nós, educadores, fazermos uso das novas tecnologias na sala de aula, com muita competência, de maneira produtiva,com objetivos pré estabelecidos e principalmente com conhecimento de causa, e não, como você deixou bem claro no seu texto, "uso o computador por que ele me é imposto, ou por que os outros usam?" Essa falta de clareza dos profissionais da educação põe em risco o uso de uma ferramenta muito valiosa no processo de formação dos nossos educandos.

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